21 de julho de 2009

Cultura, espiritualidade e resistência.



Em meio a festas Juninas, festa de São Gonçalo, São Miguel, São Sebastião, Nossa Senhora Aparecida me deparei com a herança afro brasileira. Estranho falar em santos católicos e assimilá-los a cultura negra, isso talvez a primeira vista, mas com o passar do tempo fui aprendendo a identificar no cotidiano e na cultura que foi imposta a meu povo, minhas origens africanas.
Meu quilombo hoje em dia composto em grande parte por pessoas oriundas da cidade, contém intrínseca a cultura que ao longo dos séculos de escravidão direta ou indireta, lutaram para manter.
Em dias de tempestades fortes, em que meu coração batia acelerado, ouvia as tias dizendo: “Reze a Santa Bárbara fia”, ou então: “Jogue o tição de São João na chuva menina!”. Aí o que me chama atenção é a crença tão forte que meus “pretos e pretas velhas” tem em algo que na maioria das vezes desconhecem.

Aprendi a identificar no santo sobre a geladeira, aquele a quem é dado o primeiro trago de cachaça, o protetor dos caminhos, o dono as encruzilhadas que se entrelaçam, Exu.
Comecei a observar que antes mesmo de se batizar uma criança na igreja, antes de apresentá-la ao Deus dos cristãos, meu povo não deixa nunca de molhar ori (cabeça em ioruba) de seus “pequenos tesouros” em um olho d’água. Salve Oxum, mãe das águas doces, rainha da fertilidade, protetora das crianças. Em noites de trovões muito fortes, meu pai levanta em meio à madrugada, encontra minha tia benzendo a tormenta, vai até o local onde está guardado o machado, e indo até o quintal o crava na terra e em instantes durmo porque não há mais clarões no céu.
Depois de alguns anos, passei a observar essas práticas irredutíveis e suas - nossas- manifestações culturais reveladoras, como um papel de defesa e readaptação de laços da nossa história afro-brasileira, e de que não há nada tão forte quanto à espiritualidade de uma população, que sofre a dupla opressão enquanto quilombola e camponesa, e parte de um grupo racial inserido numa sociedade pluriétnica, mas desigual.



Não obstante passei a observar a ver meu povo com outros olhos. Não mais de compaixão, tão pouco aversão pelos longos anos de sofrimento que lhes foi imposto. Aprendi a admirar meu povo em seu modo simples de falar, pela forma com que riem espontaneamente, pela a força com que lutam para manter o que tem de mais importante. Aquilo que ainda os mantém em pé e com orgulho de bater no peito para dizer: “Sou negro, e essa terra é minha. Papai deixou pra mim.”
E foi assim que vi meu tio Joaquim, Seu geninho, Seu Sílvio, e que descansem em paz, com lágrimas nos olhos se despedindo de nós e dizendo: “Óia fia, ta vendo, tamo chegando no fundão!!”
O que faz com que essas pessoas estejam até hoje lutando, brigando, exigindo dignidade? É sua história, sua cultura, sua espiritualidade. As únicas coisas que nunca arrancarão deles. Sua existência jamais os abandonará. Nossa história jamais nos abandonará.




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